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quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

Uma arte

 A Elizabeth Bishop


perde-se devagar
o desejo, o interesse, a admiração
o extravio vem com o esquecimento
a dor amena e a ingratidão

perder significa ficar sem algo
mas também ser derrotado
entretanto, certas perdas
são vitórias difíceis de comemorar

perde-se lentamente
os fios de cabelo, o cúmplice toque
esboço do tempo
a memória do amor que entra em choque

perder significa ficar com algo
os resquícios, ruínas empilhadas
por isso, algumas perdas
são pontos turísticos do meu país

perde-se vagarosamente
o conforto do silêncio compartilhado
rascunho do laço
a lembrança do lado a lado

perder significa ficar em algo
permanência da falta
logo, determinadas perdas
são post-its sobre o que outrora estava

perde-se demoradamente
o luto latente durante e depois
enterro precoce
lápide para dois

perder significa ficar para algo
um aperto constante quando anoitece
todavia, dadas perdas
se perdem quando desaparecem

perde-se sem pressa
a reunião com hora marcada
uma das bandas do par de brincos
silente metamorfose rumo ao nada

perder significa ficar entre algo
uma meia avulsa dentro dos sapatos
afinal, quaisquer perdas
perduram no intervalo ambíguo dos hiatos

Obliterar


Uma chuva de granizo em Tartarugalzinho.

Um tatu com o casco quebrado repousa — paralítico — no acostamento da rodovia.

Uma barata envenenada agoniza no ralo.

Uma borboleta — em meio ao panapanã  

se despedaça no vidro em alta velocidade.

Uma infestação de besouros invade o município de Amapá em busca de luz elétrica.

Um cachorro manca na calçada.

Um jabuti queima as patas no asfalto.

Um canário canta triste na gaiola da loja de ervas e produtos naturais.

Um bicho-preguiça se engata nos fios do poste.

Fáustica falácia ou prometeica promessa?

Toda criação 

É aniquilação.