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sexta-feira, 12 de junho de 2015

Nos braços de Morpheu


Invado teu sono na tentativa vã
de descobrir se sonhas comigo.
Permeio planícies longínquas,
jardins repletos de flor,
países com línguas mortas...
Omnia vincit amor.
Tu, que és a quimera
que mora em minha onírica realidade:
delírio do dia-a-dia.
Quantos pesadelos constroem a metamorfose
de um t(r)emor noturno?
Paralisada me deparo, de olhos abertos e taciturnos,
ao enxergar sem ar:
mais que parte fantasiosa do subconsciente...
Tu és por si só toda a minha vida.
Não consegui saber se sonhas comigo,
mas te vi abrir um sorriso
em meio aos primeiros raios da manhã.
Portanto, amanhã
continuarei vasculhando
de canto em canto um espaço
para ser sempre motivo
das tuas alegres pálpebras se abrirem
junto com as janelas da casa
e o habitual aroma de eucalipto.
Cotidiano rito...
Se tudo enfim se ajeita,
deixa eu ser essa luz
que entra pela fresta estreita?

domingo, 7 de junho de 2015

Vitrine



Desci do ônibus. Havia marcado com uma amiga na frente do shopping Macapá. De lá, iríamos a pé para o bar da Euda, comemorar meu aniversário atrasado. Esses rituais de passagem não me agradam, mas fazer o quê… As pessoas têm essa necessidade de celebrar, então o que resta é me adequar. Cheguei ao local combinado e ela não estava, ligou dizendo que se atrasaria um pouco.

– Faltou luz aqui no Infraero.

– Tudo bem, eu espero…

Aguardando num alicerce ao lado do Bob’s comecei a olhar a meu redor. Pernas apressadas. Uma confusão de cores. Senti-me tonta ali. Não havia outra paisagem. Eu era um ponto preto perdido e escorado em uma coluna.

As vozes se confundiam; apenas uma ou outra palavra inteligível. Small talk. Foi então que ouvi: uma melodia vinha em meu encontro para me fazer fugir dos sussurros daquela plateia. Um trompetista tocava.

O trompetista estava lá, de chapéu Panamá e eu cá, vidrada naquele ser humano, talvez o único capaz de me compreender um pouco ali. Ele executava com maestria o repertório e, transitório, era notório que ninguém o notava. Os meninos beijavam meninas. Os meninos se abraçavam entre si. As meninas riam entre elas. E o trompetista estava estático, invisível a esses olhos, assim como eu.

Percebi que o trompetista dividia comigo a mesma solidão, dessa que faz a gente não se sentir em casa. Como se o mundo fosse espaço alugado, não uma morada. Esbarraram em mim cinco vezes, eu contei. Ninguém pediu desculpas. Não há motivo para pedir perdão a quem não se pode ver, muito menos enxergar. Ninguém se sente mal por quem simplesmente não existe.

Tudo que eu queria era que minha amiga chegasse logo…

O trompetista deu a nota sol, tão só que pude quase visualizar o dueto dele com a própria Solidão. Quando ele deu um dó, também me deu dó por não estar com meu violão.

O trompetista me fez companhia naquele sábado à noite e dividiu comigo o mesmo sentimento… De não pertencimento, de ser um estranho no ninho. Isso me arrancou um sorriso.

Quando minha amiga enfim apareceu, dei moedas ao músico na saída, não que rodelas com valores estampados resumissem minha gratidão. Peguei no ombro dele e disse:

– Obrigada.

Acho que ele entendeu e respondeu com um olhar tão cheio de ternura que encarei como se fosse um “de nada”. Foi o encontro de solidões mais bonito que eu já tive.

Segui para o bar com minha amiga. Bebemos e rimos. Continuei vazia. Soube que minutos depois que fomos embora, ocorreu um arrastão dentro do shopping. Infortúnio e coincidência. Uma outra amiga minha que trabalha em uma loja lá me contou. Inclusive, ela teve que guardar mil reais que estavam no caixa dentro do sutiã.

Escrevo esperando que o trompetista que desconheço o nome esteja bem. E no fundo, também nutro a expectativa de que um dia, conseguiremos encontrar algo que nos preencha, dê asa, e um lugar especial no mundo para ser nossa casa.