eu queria tanto te fazer um poema ou algo que pudesse eternizar o que sinto (desde quando ditongo aberto tinha acento e ainda se usava trema) mas toda vez que tento me lembrar das tuas lacunas - mistério nunca extinto –, sou tomada de ausências inoportunas: entre todas as coisas em ti que me servem de inspiração me falta o léxico e sou tomada por um vazio: o vazio dos apaixonados. não me entenda errado, pois esse vazio é causado pelo impacto daquilo que me assola; a surpresa é um coelho sendo tirado de dentro da cartola: só existe o desejo de contemplação e eu permaneço, contra minha vontade, estática. mas me vendo imersa em tanta ternura joguei fora a gramática. reservei um tempo para tirar palavras do indizível perdidas em meio aos teus silêncios e meu próprio espaço intangível. talvez isso nem seja um problema, afinal; foi como descobri o amor: longe, distante, calado. nunca precisei pronunciar, sabia que estava ali por bem ou por mal, aparentemente camuflado e hoje? aflorado. tulipas espalhadas na rotina do que se guardou, um baú de acúmulos: anos-bola-de-neve e essa é apenas a ponta do iceberg. as calotas polares derretem e eu sigo te amando Titanic afundou e eu continuo te amando Julieta morreu e nada mudou e se amanhã eu morresse também... mesmo assim não seria diferente. então finalmente entendi que amor é calmaria por tudo que me ensinas dia-a-dia e nesse sentimento maduro eu (per)duro passe o tempo que for, foi, é e sempre será amor.
há uma citação de Scott Fitzgerald... there are all types of love in this world but never the same love twice. amores são sempre tão plurais e singulares em cada recomeço... basta dar adeus aos ais abrindo chance para virar-se do avesso. amores vêm e vão: alguns resistem aos empecilhos, outros ficam retidos em algum vão, uma fresta, lapsos temporais presos em estribilhos de poemas nunca publicados, pelo chão espalhados, por toda a casa; casa esta que está impregnada do aroma de antigos buquês de flores e das lembranças de cada namorada. eis que entre todos os amores, um único é o amor de sua vida: o dono da mais úmida lágrima derramada, durante meses contida, na resistência de aceitar a perda da amada. em meio a esse processo é perdoável qualquer excesso: quando dizes se cuida, no fundo ainda quero ser cuidada. a tal tristeza é comprida, cumprida fielmente e a cada dia crescida na esperança de ser curada. de todos os amores que tive, em apenas um me detive: o amor que se perpe(tua). em mim há a absoluta certeza de que serei permanentemente tua e essa é minha maior fra(n)queza, porque sou livre e mesmo assim sigo na contramão ao ser ciente de que meu efêmero coração te pertence eternamente.
o homem é o lobo de si mesmo e depois torna-se corvo que devora a própria carniça. faz-se de isca com a carne exposta de barriga para cima ou de costas com ambição e ganância na ânsia de uma armadilha. mas a tocaia que arma é uma montagem macabra e na cena do crime: autodestruição. ainda que não rime, ao perfurar um pulmão, puxa-se o tapete do outro. o homem-urubu com sua carcaça come cru sua putrefata alma no ledo engano de sair ganhando no terreno plano. gasta os ossos em cortes profundos. as hienas degustam o sabor do homem com sais minerais, numa taxonomia de espécies sujeitas a todas as intempéries enquanto ele é ao mesmo tempo um filo de vários animais vivendo num habitat de sofrimento desde os mais antigos ancestrais.