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sexta-feira, 15 de dezembro de 2017

Esmaecimento


onde escondeu-se a paz?
em que ponto do caminho
deixei, enfim, para trás
todo aquele carinho?

ando um tanto confusa
a respeito de quem és:
já não sei se me usas
ou se estou a teus pés

e por não lembrar mais
abro uma fenda no tempo:
entre o nunca e o jamais
guardo o esquecimento

do que tínhamos
do que sonhávamos
do que poderíamos
do que teríamos

com a visão embaçada
permaneço confortável:
minha companhia se alinha
ao meu eu domesticável

sequer sinto tua falta
e nem me torturo em vão;
quando a dor me assalta
reservo-a em um porão

em um baú
em um cofre
em um erário cru
em uma caixa nobre

e aos poucos te transformas
[tomas a forma de teus erros]
e depressa te deformas
[em meio ao nosso enterro]

assim, a cama espaçosa
já não clama tua presença
tampouco a pele amorosa
requisita a benquerença

o restante? nem importa.
agora não me iludo
pois o que me reconforta
é saber que fiz de tudo...

só abri mão
só me d(o)ei em entrega
só desgastei coração
só apaguei quem eu era.

sexta-feira, 10 de novembro de 2017

Condição Atmosférica




Amapá:
leves pancadas de chuva
sexta-feira, 36°C
não esqueça o guarda-chuva


o mormaço se levanta
nuvem espessa, muita lama
nos jornais a apresentadora avisa:
dia quente, meio-dia


fim de tarde:
vento forte, umidade...


o homem meteorológico
não consegue prever o tempo.

quinta-feira, 19 de outubro de 2017

Epílogo

Constatação terrível:
o plano era infalível
antes de falhar.
Eis que nossos corações
[preenchidos pelo ontem]
se cansaram de esperar.


Quimeras críveis:
os sonhos mais difíceis
eram fáceis de lidar.
Eis que o caminho pesado
[cheio de findas outroras]
passou do tempo de bifurcar.

Proteções antígenas:
as mãos dadas - e frutíferas -
eram leves de agregar.
Eis que o laço tão ameno
[repleto de pretérito]
é nó de chumbo pra amarrar.

União compulsória:
presas pela memória,
na dúvida de superar.
O que foi e não é mais faz voltar atrás,
e na tentativa de ser outra vez,
de novo a se frustrar...

[por aquilo que já se desfez].

quarta-feira, 23 de agosto de 2017

Seu Zeca

Eu já não tenho os dentes de antes
e as rugas se apresentam;
não tenho a astúcia da juventude,
mas carrego a angústia dos que se aposentam.

Ouço ao longe palmas distantes
e vozes que se sustentam;
não entendo bem a comemoração,
mas sei que festas todos inventam.

Percebo a música distorcida
e velas que se acendem;
não recordo qual a data querida,
mas espero que eles se lembrem.

Eu já não tenho a memória de outrora
e as lembranças se embaralham;
não tenho culpa de minha idade,
mas imagino que rapazes também falham.

Deito quieto no sofá da sala
e minha família continua os parabéns;
não conto mais quantos aniversários
porque não consigo enumerar de zero a cem.

Repouso tranquilo em minha cadeira
e tomo Danone para que a calma paire;
não há mais pressa e nem saudade
para quem sofre de Alzheimer.


sexta-feira, 11 de agosto de 2017

Concretude



este corpo que me prende,
que me envolve e repreende...
este corpo que me molda,
me limita e me amarrota,
é o mesmo corpo que me liberta,
me permite e se expressa
de dentro pra fora.

este corpo tão preocupado
com padrões de todo lado...
Este corpo normatizado
[e violento
com desejos e libido...
este corpo que não pode ultrapassar 3 dígitos
é um corpo que (se) importa e é exportado:
de fora pra dentro.

este corpo sou eu, an(t)ônimo ser,
e se sustenta em saber
que é matéria para jornais e revistas,
rankeado em listas,
mas acima de qualquer top 5
indubitavelmente é advindo
de outra matéria muito mais nobre.

Descobre.