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terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Aspirações de um Futuro Qualquer

Imagem de architecture, modern, and aesthetically pleasing


a esmola que peço
é pouco mais do que um amanhecer
nem é a última fatia do bolo
tampouco a venda de um best-seller
a felicidade que quero
é apenas a nota pra passar sem puxar saco
seminário em que os membros do grupo não
[faltem à aula
roupas sem traças a abrir buracos
a vida que espero
é sem fundo preto na panela inox
em que o gás não termine no fim do mês
ou uma fila curta pra tirar xerox
a utopia que considero
é de ter mais férias que gastos
passear sem parar em pedágios
e desfrutar sem deixar rastros

segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

Avesso



com os pés fincados no céu
desenho nossos nomes nas nuvens-areia
que se apagam com a vinda da chuva
e escoam em poças de lua cheia

terça-feira, 3 de dezembro de 2019

Novos Bares, Velhos Ares



Resultado de imagem para poste luzes amarelas

As luzes de mercúrio dos postes da praça Zagury e do Trapiche me lembram semáforos-de-entrada-e-saída-de-veículos. A cor que representa Macapá em minhas lembranças mais longínquas é esse amarelo.

A rotatividade das opções de lazer também é dinâmica e constante. Na minha época (que já passou), o point era o Liverpool. O Francês também teve dias de glória. Euda. Underground. Nego. Jaime como plano B. 220. Hoje Vila e Treta. E antes disso tudo, havia o Círculo Militar.

De quinta a domingo os jovens mais jovens que eu saem em procissão pelas diferentes fachadas dos estabelecimentos que abrem, trocam de endereço, fecham, reabrem com o mesmo dono e outro nome, reabrem com o mesmo nome e outro dono. Táxi. Mototáxi. Uber. 99. YetGo. Carona. Busão para voltar às 22h. Transportes para abandonar o apolíneo e abraçar o dionisíaco.

Novos lugares. Antigos rostos. Arcaicas alcunhas. Imutáveis rótulos.

O maconheiro. A cheiradora de pó. O cara de 30 anos que não terminou nenhuma faculdade e é sustentado pelos pais. A esquerdista do PSTU que brigou com a galera do PSOL. O militante que não fala com a esquerdista do PSTU por ser do PSOL. A corrupta que desviou dinheiro quando estava no cargo. O estuprador-macho-escroto. O macho-escroto-que-não-é-estuprador-mas-é-abusivo. A fotógrafa que dá calote. O tarólogo. A mística da yoga. O músico ruim. A acadêmica de Direito que ganhou um HB20 ao passar no Enem (porque mereceu). O vocalista da banda que vai tocar e pega menores de idade.

Não sei quantas etiquetas existem no rodapé da minha vida, placas invisíveis que são lidas por terceiros. Certamente hashtag sapatão-escrota faz parte da lista.

Quanto tempo demora para apagar uma imagem? E desconstrui-la? E reconstruí-la?
Para destruí-la, basta uma noite, uma comanda, um vacilo. E ele jamais será perdoado.

Quantos bares abrirão e fecharão até aceitarmos que é possível ser mais do que um adjetivo?
Para cada DJ que sobe no palco, uma playlist de acusações.

Quantas músicas de karaokê serão cantadas para de fato as masculinidades tóxicas se desfazerem?
Para desintoxicar, só uma droga ainda não inventada em laboratório.

Quantas denúncias existirão para interromper a prática de gente-que-não-aprende?
Para parar, não parar de apontar nunca permite pensar (?)

Quantos copos se partirão pra se somar aos cacos de nossas honras?
Para cortar os dedos indicadores alheios, talvez amputar os próprios braços.

Entre um litrão e outro, o garçom vem me atender. Olho para ele e vagamente recordo:
Esse não é o doido que gostava de mijar nas garotas durante o sexo há uns sete anos? Será que ele ainda curte fazer isso até hoje com a esposa e as filhas?

domingo, 17 de novembro de 2019

Intersecções

Imagem de aesthetic, clowns, and creepy


tenho milhões de anos
milhões de máscaras
que se sobrepõem
se (des)encontram
e batalham

a máscara branca
a máscara lésbica
a máscara mulher
a máscara andrógina
a máscara assalariada

nessa fantasia-costume
minhas dores se entrelaçam
meus lugares se confundem
se fundem
e se caçam

ao mesmo tempo que enfrento
a injustiça atroz
quando denuncio a sociedade machista
dentro
luto contra a existência
de um possível resquício racista
e algoz
[às vezes me calo com receio
de estar silenciando uma divergente voz]

enquanto sofro preconceito
pela minha sexualidade
minha classe atravessa a rua
ao ver alguém “suspeito”
à luz do dia
e meus conhecidos consomem vítimas nuas
em sites de pornografia

será que os demais também carregam essa culpa?
será que são conscientes de suas máscaras?
parece mais fácil existir
sem o peso da história sobre os ombros
sem reviver os escombros
do mal que fizemos à humanidade.

saber que existe mais
é quase-liberdade
quem roubou o ouro
quem colonizou o outro
ciente de sua posição
de sempre estar um passo à frente
entende

que a máscara lésbica
sofre homofobia
entretanto, a máscara branca
alcançou escolaridade
conseguiu um diploma
e um pouco de espaço na Academia
que a máscara mulher
carrega um diploma menos valorizado
que o diploma de um homem
[mesmo curso
diferentes percursos
ao longo da graduação]
e que a máscara andrógina
não performa a devida feminilidade esperada
ainda assim tem menos dedos apontados para si
do que qualquer travesti
e graças à máscara assalariada
tem estabilidade para vestir
o que preferir
sem medo de demissão

caem as máscaras adiante
ora dominada
ora dominante

cai a máscara duradoura
ora oprimida
ora opressora

que fique aberto o ferimento;
talvez as máscaras não estejam em guerra
e sim em um processo
de reconhecimento
sobre a desigualdade de acesso
onde tudo isso está em jogo...
o começo de uma nova era:
o caminho para cessar-fogo.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Leilão

Resultado de imagem para neoliberalismo



privatiza os Correios
privatiza o SUS
privatiza o país inteiro
privatiza a luz
privatiza a Infraero
privatiza a eletricidade
privatiza o ministério
privatiza a universidade
privatiza o DETRAN
privatiza o IBGE
privatiza o Leviatã
privatiza a fé
privatiza o tribunal
privatiza a cultura
privatiza o Diário Oficial
privatiza a sepultura
privatiza a Amazônia
privatiza o Pantanal
privatiza a colônia
privatiza o social
privatiza o concurso
privatiza o seguro
privatiza o recurso
privatiza o futuro
privatiza
privatiz
privati
privat
priva
privada

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Carrascas Carcaças

Resultado de imagem para cibercultura movimento social



os corpos jogados ao chão
pedem por paz
paz que, no fundo,
sequer desejam

repetido falatório
criticam
digitam
[na cadeira do escritório
que os movimentos
não se movimentam
e quando os movimentos
se movimentam
chamam todos de vagabundos

verdadeiro banquete:
os sábios da internet

ironizam as flores
no campo de batalha
nas carabinas
abraços nos militares
xingam de vândalos
os que revidam
os que quebram ônibus
e altares

os corpos não desejam a paz
que pedem
querem
num zás
a solução
nunca apoiaram a revolução
tampouco o fim da corrupção
conformam-se em cumprir agenda
e reclamar
na sala de estar
sem sair do lugar
enquanto sonegam o imposto de renda.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Cosmogonia Escatológica

Imagem de 3d artwork, etsy, and gift


a maior desgraça
nunca é suficiente
ao juízo alheio:
o melhor remédio pra doido
é doido e meio
[se você já quebrou a perna
eu já quebrei o corpo inteiro!]

o homem primitivo
- dividido em castas -
criava mitos
concretos
para explicar os simples
complexos
da vida abstrata

inventou Zeus
deus do trovão
Eros
deus do amor
Hades
deus do submundo
Narciso e Eco a sós...
presenteou com superpoderes profundos
seres sobrenaturais
letais
mas falhos assim como nós

o homem contemporâneo
(já capaz de compreender o metafísico)
transformou-se em tacanho
e inverídico.
imaginou novos mitos
no plano das ideias
fanopeias
da loucura moderna

o mito da meritocracia
o mito da direita e da esquerda
o mito da soberania
o mito da independência
o mito da democracia
o mito da presidência

a grama do vizinho?
sempre muito mais verde
apesar da Amazônia
ao lado
buscamos culpados
além de nós mesmos
{em rede
as lendas locais se espalham}

seguimos pautando conquistas
em contrapeso ao fracasso
dando superpoderes
aos ídolos errados
semideuses
algumas figuras públicas
tornam-se Hércules, Ulisses, heróis
e nós?
meros gados.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Sigilo




tenho uma coleção de silêncios
guardados
em pequenos frascos
segredos
prontos a serem contados

enumerados
cada caso cabe
em uma garrafa diferente
suco de uva
perfume
saquê
aguardente

as vezes que não perguntei
5 minutos antes do final da aula
as vezes que me calei
na hora de dizer amém na missa
as vezes que relevei
para não começar uma discussão
as vezes que não comi
e fui dormir com preguiça de cozinhar
as vezes que amei
mas não fui correspondida
as vezes que não amei
mas precisei corresponder

meus silêncios são embalados em potes
de todas as cores
e rótulos
e esperam sempre
o momento errado
para serem revelados

o anjo mau sobre meus ombros quer pagar pra ver
a reação
a explosão
o vômito
o despejar sem perceber
meus silêncios acabam se tornando gritos
com aqueles que sequer merecem saber

duas vezes ao ano
atiro os receptáculos no chão

vidros dilacerados
[nunca saio ilesa]
coração exposto

temporária loucura
fúria à mesa
pseudo alívio que não cura.

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Sagrado Feminino


Tem vezes que eu queria ser bicho.
Ser gente pesa.
Ser mulher pesa ainda mais.
dores mensais
dores diárias
seios fartos que servem só para ser colo do mundo
me desnudo
em paciência e sangue.

(Ser mulher no Norte
é sustentar o país inteiro)

Mesmo escolhendo não ter filhos
sou mãe daqueles ao meu redor:
amigos
alunos
colegas
namoradas
sei o nome de todos de cor
e jamais devo esquecer.
Mulher não pode falhar em nada,
mulher só precisa fazer as tarefas,
lembrar e ceder.

Ser mulher é abrir mão.
Ser mulher é não dizer não.
Sim para a mais suja proposta
sim para um encontro de bosta
sim para um compromisso extra
sim para uma reunião besta,
sim para tudo que resta.

Inclusive...
Ser mulher também é emudecer.
Já tive
que encontrar meu próprio remédio
para superar calada um assédio...

Aliás, essa é a única coisa
que à mulher é permitido esquecer.

terça-feira, 20 de agosto de 2019

Dia D

estou cansada
de sofrer pelas coisas que vejo
[mas a justiça não]:

discurso de ódio
discriminação
desmatamento
deportação
desigualdade
descaso
disparidade
demagogia
desfavor
distopia
ditadura
dor

chegará 
o dia D
o dia de
desfazer
tudo isso?

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Cobertura Completa



quem soltou o rojão?
não sei se me importo.
aperto um botão
Resultado de imagem para santiago rojaopassivo
assisto
registro
a morte.
o corte
em zoom
captura mais um.
amanhã virará manchete
e mostrarão no jornal das sete:
o homem
que ninguém lembrará o nome
[CLICK]
eternizado em um flash.

domingo, 23 de junho de 2019

Barbárie



e foi assim:
um estrondo-estopim
é festa?
foguete?
a rua inteira desembesta
a correr.

na frente do campo de futebol
na frente de casa
no sol
de quatro horas da tarde
um corpo-massacre
em uma poça rasa

absurdo:
o barulho?
um tiro-certeiro
foi ciúme?
queima de arquivo?
naquele horário não passou carteiro,
só a Morte acertando em cheio.

esgoto a céu aberto
o povo boquiaberto
o homem na vala
da indiferença
e do desalento
cercado de gente que fala
sobre a sentença
do esquecimento

a polícia chegará logo
para fechar a avenida
a TV virá fazer filmagens
para o jornal do outro dia
transeuntes já compartilham imagens
pelo Whatsapp.

o homem-fulano
o homem-humano
o homem-na-sarjeta
tinha nome
e identidade
e agora repousa
sob raios ultravioleta

mas o perímetro
está ficando intrafegável
e preciso trabalhar.
é provável que a passagem
fique interrompida.
abro o portão com desgosto
sem sequer olhar
o rosto...

cúmplice-selvagem
da barbaridade
em meio ao zumzum,
sigo rumo a uma noite comum
na universidade.

segunda-feira, 15 de abril de 2019

Três Tempos



Segunda-feira, rumo à UNIFAP, pista do meio, 40-50 km/h, passa o Macapá Shopping, semáforo da Leopoldo Machado com a Feliciano Coelho. Freio. Colada no ônibus da Sião Thur-transportando-os-filhos-de-Deus-tá-estressado-vai-orar vidro abaixado folder do Amapá da Sorte distribuído por fantasias felpudas e calorentas malabares com facas moeda de um real gracias, señorita, buenos días 

Segunda-feira, retorno da UNIFAP, pista da direita, 40-50 km/h, em frente ao Hipercenter Santa Lúcia, semáforo da Jovino Dinoá com a Acelino de Leão. Freio. Ajude a pagar minha faculdade comprando uma trufa pendurado fazendo acrobacias no tecido aéreo um Homem-Aranha circense prefere árvores em vez de arranha-céus moeda de cinquenta centavos gracias, señorita, buenos días 


Final de semana, sem destino, rolê pela cidade, pista da esquerda, 50-60 km/h, na diagonal a praça da Bandeira, saudades do Liberdade ao Rock, quem sabe hoje praça Floriano Peixoto, ou a Veiga Cabral, talvez um filme no Cine Imperator, semáforo da Eliezer Levy com a Avenida FAB. Freio. Contribua para que possamos ir para um retiro espiritual qualquer valor serve Jesus te ama a moça sobe pallets e caixotes de feira apodrecidos fazem papel de escada no alto malabares dessa vez com tochas acesas o fogo moeda de vinte e cinco centavos gracias, señorita, buenos días engraçado que nesses anos todos nunca ouvi nenhum artista de rua gringo me agradecendo thank you so much have a nice day

segunda-feira, 18 de março de 2019

Bússola

éramos felizes:
encontramo-nos por acaso.
porém, de uns tempos pra cá
começou um descompasso...
antes caminhávamos juntas,
combinando bem os passos.
agora tropeçamos:
meu pé direito, em direção ao futuro,
se atrapalha com teu pé esquerdo
emperrado
no passado.
e no desritmado compasso
estancamos no marasmo
dos desentendimentos estúpidos
no meio da Avenida FAB.
eu quase caí num bueiro,
tu desviaste de um buraco.
nem sei mais pra onde íamos,
tamanho o embaraço.
de tanto discutir em vão,
a fim de não perder o norte
[era para a praça da Bandeira,
Parque do Forte,
ou à orla da cidade?]
soltei de vez tua mão
e segui rumo à liberdade.

quarta-feira, 27 de fevereiro de 2019

Válvula de não-escape


quase oito:
café da manhã com biscoito
alguma tragédia nacional
antes de ir trabalhar
Brumadinho
passo a ferro a camisa de linho
já evito o jornal
mas a rede social
não deixa eu me enganar

chego no trampo
o colega me dá outra notícia ruim
enrolo o meio de campo
e saio pela tangente
dando voltas no jardim

tudo contamina
a política, o próprio café
os agrotóxicos
[os amigostóxicos
os narcóticos
ultimamente, até a fé

fim de expediente
COpelo cano
apressados me fecham no trânsito
buzinam e xingam
entretanto meu carro é 1.0
pergunto-me se Homero
escreveria hoje um épico urbano

volto para casa
não ligo a televisão
todavia, fugir da desgraça
não a impede de acontecer
lancho o dormido pão
percebo que estou vivendo uma trapaça
em minha bolha de apatia
não há para onde correr
amanhã será outro dia
outro dia para não ser.

quarta-feira, 13 de fevereiro de 2019

Gleba


em minha casa
- que não é um lar -
deslegitimam o meu amor;
menosprezam o que sou;
dizem que não faço parte
de um casal, e sim de um par.
na minha pátria
sou pária.

em minha casa,
se no quintal grito "socorro",
o telefone sem fio rola solto:
na sala de estar,
a notícia já sobre algum desaforo
que eu falei para atacar.
na minha pátria
sou pária.

em minha casa,
ganho menos do que todos.
nessa Novíssima República
da desinformação,
a ignorância é agora a constituição.
o síndico do condomínio
foi escolhido para causar desunião.
na minha pátria
sou pária.

em minha casa
já não tenho morada.
saí para o parque
a fim de espairecer;
lá encontrei mais gente como eu.
gente excluída,
gente sem vez.
na nossa pátria
somos párias.

fugir de casa?
não.
transformá-la em lar novamente.
de mãos dadas
com toda aquela gente
deslocada, sozinha, rechaçada.
senti-me retomar as rédeas
para mudar o curso das tragédias:
na minha pátria
serei revolucionária.

isso nunca vai mudar,
passe o tempo que for
nem que eu precise lutar
contra quem me expulsou:
é aqui meu lugar,
não tenho que pedir.
ficar não é nenhum favor.
sou dona e proprietária
de minha pátria!