Menu

sábado, 11 de outubro de 2014

Eco


Respirar o ar da solidão
Nem sempre é um peso intranquilo,
Um penar para o coração,
Prestes a cometer algum vacilo.

Nas quatro paredes do quarto,
O eco é meu amigo.
De minha presença nunca me farto;
Apenas um bom livro comigo.

O barulho lá fora é alto.
Buzinas, ruídos das bocas falando...
O céu adquire tons de azul cobalto
E na janela observo as pessoas passando.

Ouço meus tantos pensamentos,
Tento organizá-los de forma sistematizada.
Somente não possuo muito talento
Quando o quesito é ser amada.

Estar só é um privilégio
Em tempos que todos mascaram.
Num bar, vozes vazias recheadas de tédio
Refletem almas que se decepcionaram.

Viver só é um estado de espírito
Em tempos que todos disfarçam tal condição.
Na rua, o poeta culpa seu eu-lírico,
Enquanto, na parada, aguardo a próxima condução.

Terminei o livro e gostei do enredo.
Busco um novo alvo na vasta estante.
Do som do silêncio não tenho medo:
De mim mesma, sou ótima acompanhante.

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Bilhete único



Amar é desafogar a mala
para na mão caber a bagagem.
Amar é dizer que vou deixar de amá-la
para deixá-la seguir viagem.
Amar é devorar a dor que cala
para que a despedida peça passagem.

domingo, 21 de setembro de 2014

Aperte o Play



Pra caber
tudo que eu quero lhe dizer 
talvez fosse preciso um LP: 
lado A e lado B. 
Cada faixa, um apelo 
pra reaver o teu apego 
e ouvir até arranhar 
enquanto se faz a faxina 
ou no juke box de um bar; 
um disco de platina... 
O Faustão iria entregar. 
Talvez nem isso fosse o bastante: 
amor não se limita a uma estante, 
nem se eu gravasse um The Best Of... 
Haveria você em cada estrofe, 
totalizando mais de mil... 
Não serviria nem um daqueles CDs Perfil: 
o que sinto não se resume a nenhum vinil.

domingo, 14 de setembro de 2014

Sobre o pêndulo que caiu no poço.


Todas as suas razões eu já sei de cor.
De estrela, enfim, tornei-me pó
quando o corvo solenemente crocitou
o trágico destino que não vingou.
And at my chamber door,
assim como Poe escutou,
o anúncio inevitável soou:
Nevermore.

A distância
é uma criança
que cresce, às vezes, em menos de um mês.
Um gesto incontido, algo que você nem fez.
Quando se vê, já é muito tarde,
e a despedida se dá sem qualquer alarde.

Um gato preto cruzou o caminho
mas não o responsabilizo por esse azar.
E agora, persisto, andarilho sozinho
já sem esperanças de recomeçar.
Plantei, num jardim, ilusões com carinho
e de uma semente de amor
brotou uma flor...
Do(f)lorida:
Murchou em 5 dias.

Qual foi meu erro?
Um passo para a liberdade:
Conceito tão vago, um ritual, um enterro?
O nunca dura uma eternidade.

(O poema faz referência a três obras de Edgar Allan Poe: os contos “The Black Cat” e “The Pit and the Pendulum” e o poema “The Raven”).

domingo, 3 de agosto de 2014

CPF


o homem casto
carrega consigo
todos os desvios.

o homem desviado
carrega consigo
toda a castidade.

o homem puro
que não toma banho
é sujo.

o homem sujo
que toma banho
é limpo.

o homem que se veste
de mulher
pra mim
é mulher
porque é isso
que quer.
porque sente
que é isso que é.

mas pros outros, aquele homem
ainda é homem,
e sempre vai ser
só porque nasceu homem
e assim deve se manter até morrer.

não importa a falta de ética,
desde que não se contraponha à genética.
a natureza não tem que ser exata,
nossa natureza é a gente que acha.

identidade não é sinônimo de rg!
nosso registro no mundo
não deve ser uma sequência de números
que só servem para jogar no spc
enquanto cada um se ensardinha
no vagão do metrô
e no fim da linha
implora por um pouco de amor.

AQUI NEM TEM METRÔ!

a luta é por uma cadeira vazia
no ônibus de meio-dia.

fodam-se os cromossomos!
quem, além de nós mesmos,
pode ditar o que somos?