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terça-feira, 14 de julho de 2020

Delonga


taciturno
o controle de Saturno
se põe sobre a gente
e eu que sempre fui paciente
percebo a pressa
emergência submersa
que se tatua
na pele
nos olhares
nas mensagens
na urgência de ser tua

nos desencontros do destino
[esse nosso adversário]
esbarrei em ti tantas vezes
e acenei para seguir caminho
em outro itinerário
mas permanecia sempre olhando pra trás
e para o que eu havia deixado
[um amor que nunca se liquefaz]

eis minha sina
mística fase:
os dias que nos separam agora
são esses intervalos do quase
que tecem junto com a aurora
o senão
que é a certeza
do teu sim

não mais tardo:
em breve
chegarás como uma prece
pois eu, que sou filha do Tempo,
te aguardo
como quem espera um milagre

segunda-feira, 6 de julho de 2020

Cenário


quero a Companhia das Letras
quero letras sem companhia

quero ausência de hierarquia
quero legitimação

quero blog
quero livro

quero virtual
quero físico

quero o marginal
deixando de ser periférico

quero zine
se tornando cânone

quero fanfic
na FLIP

quero sarau
quero bienal

quero autonomia
quero edital

quero independência
quero prêmio

quero o underground
ocupando o mainstream

quero slam
mobilizando multidões

quero um infinito leque
de batalhas de rap

quero escritora
ditando regras à editora

quero troca
quero mercado

quero saída
para essa aporia

utopia
sem degrau
múltiplos passos
em patamar igual
nos diversos espaços
do horizonte plural
que é a literatura

sexta-feira, 12 de junho de 2020

Ataranto

possuo estas mãos
um tanto quanto desajeitadas
que sequer sabem dar conta
das tarefas domésticas diárias
lavo a louça respingando em toda a cozinha
demoro duas horas só para cortar os temperos
minha motricidade — nada fina 

[não por falta de esmero
apresenta uma caligrafia apenas legível
o suficiente para impor ao quadro branco
[e às turmas
uma letra minimamente entendível
estas mãos te tinham:
com semelhante ausência de habilidade
me atrapalhava em desabotoar teu sutiã
e tentar amar-te era sinônimo de risadas
das quais agora sou órfã
então eu me concentrava
[desengonçada
em trançar entre os dedos
cada centímetro de teus cabelos
e esperando diante da porta
me permitia ser convidada
pra dentro de tua morada
e apreciava tua pequena morte
antes de ires embora
estas mesmas mãos
hoje encontram-se vazias
minha pele? embrutecida…
e contrariando o ditado popular
não há nenhum pássaro a voar

sexta-feira, 29 de maio de 2020

Falta de Bom Censo



“gente morre todo dia
mas agora tudo é covid
racismo
trans e homofobia
ninguém morre mais
de morte morrida”

a troco de nada
tantas estatísticas
não são números
são vidas
APAGADAS
nomes
não-registrados
no abecedário
do negacionismo
reacionário

não apenas cêpêefes
corações pulsantes
de sonhos
com o peito arfante
sem ar
jamais serão esquecidos por nós
ou afogados
nesse mar
de desespero
e lodo
onde estamos todos
tentando nadar