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terça-feira, 31 de março de 2020

Bazar




me desapego do passado
como quem se despe de horas gastas
[pelas traças
não passo o passado a ferro
deixo amarrotado
penduro entre cabides
[e araras
uma roupa para vender no brechó
[junto com as coisas mais baratas.

terça-feira, 24 de março de 2020

Ostracismo

este tempo 
de quarentena
de emparedamento
solidão que aliena
no apartamento
assistindo à mesma cena
horizonte de cimento
este tempo
[anormal
de isolamento
dividido entre rede social
catálogos de entretenimento
desejo sexual
e abafamento
este tempo
[viral
encurralado
de UNO, dominó e baralho
já não é igual
à vida real
que nos amarrota em qualquer lado?
box do banheiro
cozinha americana
ônibus
metrô
escritório
home office
pub

boate
hospital
motel
órgão público
restaurante
igreja
cinema
escola
a própria mente
tudo é quadrado.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Exórdio

a primeira vez que te vi
foi o Big Bang
o fogo, a roda
olhei os dinossauros em fila
e os mamutes com suas trombas
saudavam tua chegada

na primeira vez que sorriste
pangeia se fragmentou
pirâmides eu levantei
e em uma escrita ainda não inventada
já te fazia poemas de amor

na primeira vez que falaste comigo
caiu Constantinopla
Vesúvio eructou
Jesus chorou
[na cruz
e Da Vinci pintou

na primeira vez que me beijaste
estava na arquibancada
das Bacantes
aplaudi Shakespeare
e assisti Méliès
[com Le voyage dans la Lune

e quando me deixaste
fui à câmara de gás
à queda do muro de Berlim
servi no Vietnã
fui ser catequizada pelos jesuítas
colonizada em capitanias

então todas as minhas histórias
foram esquecidas, amada
na primeira vez que me vi
[enfim
não havia descoberto nada

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Cumulonimbus





nunca sonhei com véu e grinalda
não creio em cara-metade
desejo um céu esmeralda
onde eu seja tempestade

sábado, 1 de fevereiro de 2020

Microscópica

Enxuga a mão no guardanapo da cozinha antes de encostar em mim.
Eu sou o resto de comida molhada na pia:
restos de alface e arroz em meu camarim
prestes a ser inundado de água fria.
Cubra todas as frutas e o queijo.
Eu sou a mosca que se deleita inclusive com os restos da pia.
Esvoaçante e zumbindo pouso com um delicado beijo
plantando larvas de zombaria.
Eu sou as bactérias da geladeira:
um botulismo, um h pylori
Não tenho cura, mesmo que se queira,
nem com overdose de antibióticos hardcore.
Eu sou esse farelo de bolacha do jantar
que denuncia a falta de faxina no porcelanato
e talvez esse papel de manchar 
seja minha única serventia de fato.