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domingo, 17 de novembro de 2019

Intersecções

Imagem de aesthetic, clowns, and creepy


tenho milhões de anos
milhões de máscaras
que se sobrepõem
se (des)encontram
e batalham

a máscara branca
a máscara lésbica
a máscara mulher
a máscara andrógina
a máscara assalariada

nessa fantasia-costume
minhas dores se entrelaçam
meus lugares se confundem
se fundem
e se caçam

ao mesmo tempo que enfrento
a injustiça atroz
quando denuncio a sociedade machista
dentro
luto contra a existência
de um possível resquício racista
e algoz
[às vezes me calo com receio
de estar silenciando uma divergente voz]

enquanto sofro preconceito
pela minha sexualidade
minha classe atravessa a rua
ao ver alguém “suspeito”
à luz do dia
e meus conhecidos consomem vítimas nuas
em sites de pornografia

será que os demais também carregam essa culpa?
será que são conscientes de suas máscaras?
parece mais fácil existir
sem o peso da história sobre os ombros
sem reviver os escombros
do mal que fizemos à humanidade.

saber que existe mais
é quase-liberdade
quem roubou o ouro
quem colonizou o outro
ciente de sua posição
de sempre estar um passo à frente
entende

que a máscara lésbica
sofre homofobia
entretanto, a máscara branca
alcançou escolaridade
conseguiu um diploma
e um pouco de espaço na Academia
que a máscara mulher
carrega um diploma menos valorizado
que o diploma de um homem
[mesmo curso
diferentes percursos
ao longo da graduação]
e que a máscara andrógina
não performa a devida feminilidade esperada
ainda assim tem menos dedos apontados para si
do que qualquer travesti
e graças à máscara assalariada
tem estabilidade para vestir
o que preferir
sem medo de demissão

caem as máscaras adiante
ora dominada
ora dominante

cai a máscara duradoura
ora oprimida
ora opressora

que fique aberto o ferimento;
talvez as máscaras não estejam em guerra
e sim em um processo
de reconhecimento
sobre a desigualdade de acesso
onde tudo isso está em jogo...
o começo de uma nova era:
o caminho para cessar-fogo.

quinta-feira, 14 de novembro de 2019

Leilão

Resultado de imagem para neoliberalismo



privatiza os Correios
privatiza o SUS
privatiza o país inteiro
privatiza a luz
privatiza a Infraero
privatiza a eletricidade
privatiza o ministério
privatiza a universidade
privatiza o DETRAN
privatiza o IBGE
privatiza o Leviatã
privatiza a fé
privatiza o tribunal
privatiza a cultura
privatiza o Diário Oficial
privatiza a sepultura
privatiza a Amazônia
privatiza o Pantanal
privatiza a colônia
privatiza o social
privatiza o concurso
privatiza o seguro
privatiza o recurso
privatiza o futuro
privatiza
privatiz
privati
privat
priva
privada

segunda-feira, 11 de novembro de 2019

Carrascas Carcaças

Resultado de imagem para cibercultura movimento social



os corpos jogados ao chão
pedem por paz
paz que, no fundo,
sequer desejam

repetido falatório
criticam
digitam
[na cadeira do escritório
que os movimentos
não se movimentam
e quando os movimentos
se movimentam
chamam todos de vagabundos

verdadeiro banquete:
os sábios da internet

ironizam as flores
no campo de batalha
nas carabinas
abraços nos militares
xingam de vândalos
os que revidam
os que quebram ônibus
e altares

os corpos não desejam a paz
que pedem
querem
num zás
a solução
nunca apoiaram a revolução
tampouco o fim da corrupção
conformam-se em cumprir agenda
e reclamar
na sala de estar
sem sair do lugar
enquanto sonegam o imposto de renda.

quarta-feira, 2 de outubro de 2019

Cosmogonia Escatológica

Imagem de 3d artwork, etsy, and gift


a maior desgraça
nunca é suficiente
ao juízo alheio:
o melhor remédio pra doido
é doido e meio
[se você já quebrou a perna
eu já quebrei o corpo inteiro!]

o homem primitivo
- dividido em castas -
criava mitos
concretos
para explicar os simples
complexos
da vida abstrata

inventou Zeus
deus do trovão
Eros
deus do amor
Hades
deus do submundo
Narciso e Eco a sós...
presenteou com superpoderes profundos
seres sobrenaturais
letais
mas falhos assim como nós

o homem contemporâneo
(já capaz de compreender o metafísico)
transformou-se em tacanho
e inverídico.
imaginou novos mitos
no plano das ideias
fanopeias
da loucura moderna

o mito da meritocracia
o mito da direita e da esquerda
o mito da soberania
o mito da independência
o mito da democracia
o mito da presidência

a grama do vizinho?
sempre muito mais verde
apesar da Amazônia
ao lado
buscamos culpados
além de nós mesmos
{em rede
as lendas locais se espalham}

seguimos pautando conquistas
em contrapeso ao fracasso
dando superpoderes
aos ídolos errados
semideuses
algumas figuras públicas
tornam-se Hércules, Ulisses, heróis
e nós?
meros gados.

quarta-feira, 18 de setembro de 2019

Sigilo




tenho uma coleção de silêncios
guardados
em pequenos frascos
segredos
prontos a serem contados

enumerados
cada caso cabe
em uma garrafa diferente
suco de uva
perfume
saquê
aguardente

as vezes que não perguntei
5 minutos antes do final da aula
as vezes que me calei
na hora de dizer amém na missa
as vezes que relevei
para não começar uma discussão
as vezes que não comi
e fui dormir com preguiça de cozinhar
as vezes que amei
mas não fui correspondida
as vezes que não amei
mas precisei corresponder

meus silêncios são embalados em potes
de todas as cores
e rótulos
e esperam sempre
o momento errado
para serem revelados

o anjo mau sobre meus ombros quer pagar pra ver
a reação
a explosão
o vômito
o despejar sem perceber
meus silêncios acabam se tornando gritos
com aqueles que sequer merecem saber

duas vezes ao ano
atiro os receptáculos no chão

vidros dilacerados
[nunca saio ilesa]
coração exposto

temporária loucura
fúria à mesa
pseudo alívio que não cura.