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sábado, 11 de abril de 2020

A Posteriori


horas de videochamada
Fortnite e joguinhos de celular
dias de procrastinação
[e fazer-nada
playlists de meditação
webflerte e nude
(“oi bb, to on-line, me ilude”)

quando isso tudo acabar
qual será a primeira coisa real
que você fará?

quando isso tudo tiver fim
qual será o primeiro lugar
que você passeará
além do próprio jardim?

vou sair para pedalar
encomendar um cento de salgado
comer com as minhas amigas
tomar o litrão mais barato
cantar no karaokê
falar mal do governo
comentar a final do BBB
[na beira da calçada
pegar filas
rebolar a raba
e usufruir da vida

quero deitar no teu peito
e abusar do direito
de ir e vir
que eu sequer reconhecia...
talvez até sorrir
e agradecer ao antes
que já era o bastante
porém eu não sabia.

sábado, 4 de abril de 2020

Desenlace


o relacionamento tóxico
não começa com lágrimas
se inicia com sorrisos
[carinha boba diante do Whatsapp
e com “você é linda”, mas...

quando vai voltar pra casa?
to ansiosa pra te ter na nossa caminha, não demora s2
não se atrasa
tá bom, já to indo embora

o relacionamento tóxico
não começa com proibição
se inicia com abraços
e com “você que sabe, mozão”... 
depois avança para o pisar em ovos

você tem razão...
a culpa é minha mesmo...
me desculpa, então...
não vou mais fazer de novo...

o relacionamento tóxico
não começa com gaslighting
se inicia com controle de conteúdo
e com stalkear site

por que você curtiu a foto de Beltrana?
de onde você conhece ela?
quem é Ana?
[emoji com raiva
o que significa aquele comentário no post da Fulana de Tal?
vamos fazer um perfil de casal?

o relacionamento tóxico
não começa com tapas
se inicia com caras de cu injustificadas
e com dêerres intermináveis

você não se importa
você é insensível
to falando com uma porta
você é uma pessoa horrível

o relacionamento tóxico
não começa com dependência afetiva
se inicia com “não sei viver sem você”! :*
e com “você não corresponde às minhas expectativas”!

eu vou me matar se você me deixar
entendo, sou impossível de lidar
vou amadurecer no meu próprio ritmo
é assim mesmo, ninguém quer viver com uma pessoa doente
eu prometo que vai ser diferente

o relacionamento tóxico
não começa com termina-volta
[intermitente
se inicia com “me dá a senha do teu Instagram
e da tua conta corrente”

o relacionamento tóxico
não mostra a bolha
redoma-câmara-de-gás
não se cura da noite pro dia
requer não olhar pra trás
rasgar o véu
e enfrentar anos de terapia.

terça-feira, 31 de março de 2020

Bazar




me desapego do passado
como quem se despe de horas gastas
[pelas traças
não passo o passado a ferro
deixo amarrotado
penduro entre cabides
[e araras
uma roupa para vender no brechó
[junto com as coisas mais baratas.

terça-feira, 24 de março de 2020

Ostracismo

este tempo 
de quarentena
de emparedamento
solidão que aliena
no apartamento
assistindo à mesma cena
horizonte de cimento
este tempo
[anormal
de isolamento
dividido entre rede social
catálogos de entretenimento
desejo sexual
e abafamento
este tempo
[viral
encurralado
de UNO, dominó e baralho
já não é igual
à vida real
que nos amarrota em qualquer lado?
box do banheiro
cozinha americana
ônibus
metrô
escritório
home office
pub

boate
hospital
motel
órgão público
restaurante
igreja
cinema
escola
a própria mente
tudo é quadrado.

segunda-feira, 2 de março de 2020

Exórdio

a primeira vez que te vi
foi o Big Bang
o fogo, a roda
olhei os dinossauros em fila
e os mamutes com suas trombas
saudavam tua chegada

na primeira vez que sorriste
pangeia se fragmentou
pirâmides eu levantei
e em uma escrita ainda não inventada
já te fazia poemas de amor

na primeira vez que falaste comigo
caiu Constantinopla
Vesúvio eructou
Jesus chorou
[na cruz
e Da Vinci pintou

na primeira vez que me beijaste
estava na arquibancada
das Bacantes
aplaudi Shakespeare
e assisti Méliès
[com Le voyage dans la Lune

e quando me deixaste
fui à câmara de gás
à queda do muro de Berlim
servi no Vietnã
fui ser catequizada pelos jesuítas
colonizada em capitanias

então todas as minhas histórias
foram esquecidas, amada
na primeira vez que me vi
[enfim
não havia descoberto nada