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terça-feira, 17 de março de 2015

Cânone


Descobri que o amor
possui uma essência:
sua matéria-prima
é a desistência.
Sim, o amor é elemento
constituído de uma molécula
levada pelo vento:
em determinada época,
compõe-se o deixar-partir
apesar do desejo
de insistir.
Em cada átomo, um solfejo;
a canção da despedida
ecoa em um buraco negro:
o segredo
da partida.
Coro de apenas uma voz:
a soprano que resta
entoa a sós
uma melodia funesta:
o que sobrou de nós.
A partir disso, nasce a substância
batizada renúncia,
formada pela ressonância
do adeus e sua pronúncia.
O amor que surge do sim
atinge seu verdadeiro conteúdo
quando abdica o próprio uso
e chega ao fim.

terça-feira, 3 de março de 2015

Fight


No ringue, jazia;
luva vazia
de um tapa sem mão.
Um soco no estômago
levou-me ao chão
e no primeiro round
já sofri um nocaute.
Peso pena,
que pena!
Não sou grande
o bastante:
nunca fui boa em lutas,
competições e disputas.
Entre meios e fins...

Saudade wins.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2015

Imemorial



eu queria tanto te fazer um poema
ou algo que pudesse eternizar o que sinto
(desde quando ditongo aberto tinha acento e ainda se usava trema)
mas toda vez que tento me lembrar das tuas lacunas
- mistério nunca extinto –,
sou tomada de ausências inoportunas:
entre todas as coisas em ti que me servem de inspiração
me falta o léxico e sou tomada por um vazio:
o vazio dos apaixonados.
não me entenda errado,
pois esse vazio é causado
pelo impacto daquilo que me assola;
a surpresa é um coelho sendo tirado de dentro da cartola:
só existe o desejo de contemplação
e eu permaneço, contra minha vontade, estática.
mas me vendo imersa em tanta ternura
joguei fora a gramática.
reservei um tempo para tirar palavras do indizível
perdidas em meio aos teus silêncios
e meu próprio espaço intangível.
talvez isso nem seja um problema, afinal;
foi como descobri o amor: longe, distante, calado.
nunca precisei pronunciar, sabia que estava ali por bem ou por mal,
aparentemente camuflado
e hoje? aflorado.
tulipas espalhadas na rotina do que se guardou,
um baú de acúmulos: anos-bola-de-neve
e essa é apenas a ponta do iceberg.
as calotas polares derretem e eu sigo te amando
Titanic afundou e eu continuo te amando
Julieta morreu e nada mudou
e se amanhã eu morresse também... mesmo assim não seria diferente.
então finalmente entendi que amor é calmaria
por tudo que me ensinas dia-a-dia
e nesse sentimento maduro
eu (per)duro
passe o tempo que for,
foi, é e sempre será amor.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Ethereal


há uma citação de Scott Fitzgerald...
there are all types
of love in this world
but never the same love twice
.
amores são sempre tão plurais
e singulares em cada recomeço...
basta dar adeus aos ais
abrindo chance para virar-se do avesso.
amores vêm e vão:
alguns resistem aos empecilhos,
outros ficam retidos em algum vão,
uma fresta, lapsos temporais presos em estribilhos
de poemas nunca publicados,
pelo chão espalhados,
por toda a casa;
casa esta que está impregnada
do aroma de antigos buquês de flores
e das lembranças de cada namorada.
eis que entre todos os amores,
um único é o amor de sua vida:
o dono da mais úmida lágrima derramada,
durante meses contida,
na resistência de aceitar a perda da amada.
em meio a esse processo
é perdoável qualquer excesso:
quando dizes se cuida,
no fundo ainda quero ser cuidada.
a tal tristeza é comprida,
cumprida fielmente e a cada dia
crescida na esperança de ser curada.
de todos os amores que tive,
em apenas um me detive:
o amor que se perpe(tua).
em mim há a absoluta certeza
de que serei permanentemente tua

e essa é minha maior fra(n)queza,
porque sou livre e mesmo assim sigo na contramão
ao ser ciente
de que meu efêmero coração
te pertence
eternamente.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2015

He Wolf


o homem é o lobo
de si mesmo
e depois torna-se corvo
que devora a própria carniça.
faz-se de isca
com a carne exposta
de barriga para cima
ou de costas
com ambição e ganância
na ânsia
de uma armadilha.
mas a tocaia que arma
é uma montagem macabra
e na cena do crime:
autodestruição.
ainda que não rime,
ao perfurar um pulmão,
puxa-se o tapete do outro.
o homem-urubu
com sua carcaça
come cru
sua putrefata alma
no ledo engano
de sair ganhando
no terreno plano.
gasta os ossos
em cortes profundos.
as hienas degustam
o sabor do homem
com sais minerais,
numa taxonomia de espécies
sujeitas a todas as intempéries
enquanto ele é ao mesmo tempo
um filo de vários animais
vivendo num habitat de sofrimento
desde os mais antigos ancestrais.